Deia Freitas: “o único caminho é o enfrentamento”

A lenda do racismo reverso está com tudo em 2022. Na mesma semana que Déia Freitas, apresentadora do Não Inviabilize”, um dos podcasts de maior sucesso do Brasil, sofreu uma série de ataques ao anunciar uma vaga de assistente voltada para mulheres negras e indígenas, tivemos ainda o texto caça polêmica na Folha de S.Paulo escrito por um branco ressentido sobre o racismo de negros contra brancos. A conclusão dos dois casos é que os brancos se desestabilizam ao não se verem em posição de protagonismo – até mesmo aqueles que se dizem aliados.

Essa entrevista foi publicado na newsletter da Firma Preta.
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Déia sofreu ataques de todos os lados. Feministas radicais a acusaram de querer contratar homens por incentivar a candidatura de mulheres trans. Homens a ameaçaram de processo alegando ilegalidade – no entanto, vagas afirmativas são permitidas por lei. Apoiadores de Bolsonaro também chegaram ao perfil dela para questionar. A podcaster chegou a ser chamada de Nazista da África. Histórias foram inventadas sobre ela e o “Não Inviabilize”, além de tentativas de invasão da conta de e-mail para o recebimento dos currículos que chegou a ser suspensa. Ainda assim, muitas pessoas se candidataram e diante de tantos profissionais qualificados, a podcaster está fechando parcerias com iniciativas para outras oportunidades de trabalho.

O valor pago para a vaga de roteirista assistente do podcast foi muito questionado. Para um contrato de quatro meses será pago R$5 mil mensais e um bônus de R$2 mil. Algumas pessoas acharam o valor alto demais no país em que meio quilo de café custa mais de R$20 – só pode ser sacanagem. Esse é um valor ok de remuneração, ainda mais quando a contratação é na modalidade pessoa jurídica, com CNPJ. Mas parece que brancos não aceitam que vagas para mulheres negras e indígenas com um pagamento justo. Nós temos sempre de ter menos, ganhar menos, ser menos.

O processo foi parecido com o enfrentado pela Magazine Luiza quando lançou seu programa de trainee para pessoas negras. No entanto, Déia não é uma empresa de grande porte e foi atingida de outra forma. Em meio a onda de ataques, troquei mensagens com ela sobre o que aconteceu durante a semana para esta entrevista na Firma Preta:

Como você enxerga a repercussão diante da vaga afirmativa para mulheres negras e indígenas que você anunciou?

Para mim foi tudo surreal. Eu não imaginei que houvesse uma repercussão negativa. Eu quis fazer uma vaga parecida com um edital para me poupar de ficar respondendo perguntas. Em nenhum momento eu pensei em não colocar o valor. E resolvi colocar que era para mulheres negras ou indígenas, porque se eu deixasse aberto, ia chover currículo de gente branca e eu não ia nem olhar. A ideia era poupar o tempo dessas pessoas também. Quando a vaga não é específica para pessoas negras ou indígenas, muitas pessoas negras não se inscrevem. Então, resolvi por o máximo de informação possível.

Quais os caminhos possíveis para que o debate sobre vagas afirmativas não se transforme em mimimi de branco – que não abre mão do protagonismo?

Todo mundo que me deu dicas falava assim: “você não deveria ter colocado o valor ou você não deveria colocar o perfil da vaga”. Então, sinceramente, eu não sei qual é o caminho porque os caminhos que me foram propostos eu não aceito. Eu tenho que mentir que o processo seletivo também engloba branco só para nenhum branco ficar chateado?

Acho que o único caminho é o enfrentamento mesmo. Se a gente não consegue esse espaço de maneira gradual e mais passiva, o jeito é ir para o ataque mesmo. Garantir o  máximo de vagas que conseguirmos para pessoas com menos vantagem a vida toda e que nem concorreriam para uma outra vaga dependendo de qual seja.

Como o seu  trabalho na internet pode ajudar que mais negros tenham destaque no mercado?

Não sei como posso ajudar contando minhas histórias. Mas o que eu tento fazer com a minha visibilidade é trazer mais pessoas pretas e indígenas para onde eu estou. Para colocar em evidência, não gosto dessa palavra influência, mas tento agregar mais e trazer mais gente para perto.

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