Clarissa Brito: Antirracismo se aprende na escola

Clarissa Brito se tornou uma educadora antirracista para que outras crianças negras não  vivessem o incômodo que eu ela viveu na escola. Ela é professora e líder do comitê de Representatividade Racial da Escola Eleva no Rio de Janeiro, psicopedagoga, pelo Pró Saber, especialista em Educação Infantil, pela PUC – Rio e consultora pedagógica do Oyá Educa.

Clarissa atua na formação continuada professores no desenvolvimento de educação antirracista e em práticas pedagógicas de acordo com Lei 10.639/200 – que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

Fizemos três perguntas a ela que nos contou como o antirracismo no ambiente escolar pode nos garantir um futuro com mais representatividade e mais espaço no mercado de trabalho.

 

FP – Como você se tornou especialista em educação antirracista?

 

CB – Me tornar uma educadora antirracista foi um processo que não foi fácil. O que também não quer dizer que antes eu não olhasse para as questões raciais. Afinal, eu sou uma mulher negra. Logo no início da minha carreira, a minha preocupação era não repetir algumas construções que eu vivi na época em que eu era aluna. Eu comecei na educação no ensino médio com curso de normalista, no Carmela Dutra, em Madureira. Eu sempre levei autores negros para os meus alunos, lá quando eu tinha os meus 16 anos, porque aquilo tinha um impacto para mim. Eu não queria que outras crianças negras vivessem o incômodo que eu vivi na escola. 

Na graduação em Pedagogia, eu passei a ter contato com a discussão antirracista em coletivos na universidade. Mesmo com a Lei 10.639** já em vigor, só encontrava esse tema nos espaços periféricos. Ou seja, você que vai na margem procurar essa formação. Porque na universidade o pensar negro na educação não é uma pauta. Quando fui fazer uma especialização em infância na PUC, comecei a estudar a infância negra e tive uma trava. Depois de muita terapia e leituras como a bell hooks, decidi que daquele momento em diante a minha carreira profissional seria para discutir essas questões.

FP – Quais os caminhos para uma educação para além da Lei 10.639/2003? 

 

CB – Existe um percusso na mentalidade antirracista na educação que fala de um combate a qualquer manifestação racista seja ela epistemológica ou emocional. Tem um grande objetivo na educação antirracista que é construir a estima negra que é entender nossos corpos como parte da sociedade. Trabalhamos com quatro pilares que vão caminhar juntos e interligados que vai para além do que a lei determina.

O primeiro deles é ressignificar o olhar sobre África, que é o berço da humanidade, desconstruindo a ideia de uma África única e de uma unidade em ser negro. Depois a gente tem a ancestralidade que não está relacionada somente às religiões de matriz-africana. Mas a perspectiva é para além da prática religiosa. Nós buscamos entender os movimentos de resistências e o que nos fez chegar até aqui. O terceiro pilar são os elementos da cultura negra que são específicos do Brasil como o jongo e o samba. Por último, mas não menos importante, a representatividade. Lembro que ela sozinha não resolve o problema porque não elimina o racismo, mas é ela que pode dar a uma criança negra a ideia de que ela é um sujeito possível. Para as crianças não negras, existe o impacto da gente normalizar corpos e narrativas negras em todos os lugares. O simbólico precisa ser enegrecido.

FP – Como a educação antirracista nas escolas hoje pode impactar no futuro?

 

CB – A educação antirracista é o caminho que a gente tem de libertação. As perspectivas da educação antirracista têm o desejo de corpos negros serem livres e vivendo a complexidade dos que nós somos. Não podemos pautar o conhecimento sem olhar para o continente africano entendendo que lá é nosso ponto de origem e nós desenvolvemos essa mentalidade. A ideia é desenvolver na cabeça de uma criança negra que nós somos sujeitos possíveis.

(**) Lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.

 

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